No Brasil, o levantamento mais recente do Ministério da Saúde é de 2017 a taxa de mães nessa faixa etária corresponde a 16,4% dos 2.900.000 de nascidos vivos no ano passado.
Duas da manhã. Até o ano passado, essa era a hora que Aline (nome fictício), 16 anos, costumava voltar para casa após uma noite de festa com os amigos no fim de semana. Em Julho, no entanto, essa realidade mudou.
Agora, por volta do mesmo horário, ela continua em claro, mas na tentativa de descobrir o motivo do choro da filha de 6 meses. O cotidiano da jovem ganhou novo ritmo. Um bebê de verdade tomou o lugar das bonecas da infância recém-deixada e as noites de diversão em diferentes partes da cidade se transformaram em madrugadas despertas no quarto com a neném.
Aline e o atual namorado, pai da criança, têm a mesma idade. Durante as relações sexuais, os dois recorriam ao preservativo. Entretanto, em uma ocasião, a camisinha estava com um furo e o casal não percebeu. O incidente resultou em uma gestação.
“Quando engravidei, tínhamos um ano e meio de relacionamento. Não usávamos nenhum outro método. Meus pais conversavam comigo e sempre tivemos uma relação aberta para falar sobre o assunto. Acabei engravidando por um descuido”
Diz.
Para se dedicar aos cuidados com a filha, a adolescente interrompeu os estudos. O companheiro, no entanto, continua na escola. Fora as dificuldades da maternidade, Aline precisou encarar o preconceito dos amigos.
“Muitas pessoas não ficaram do meu lado, viraram as costas. Foi um choque. Fiquei muito triste, pois não imaginava isso, mas tudo é um aprendizado.”
Com a ajuda da própria família e dos parentes do namorado, Aline conseguiu arcar com as despesas da criança e, agora, vê a rotina de outro modo.
“Praticamente tudo ficou diferente, mas o que mais mudou foi o cotidiano e a responsabilidade. Comecei a enxergar o mundo com outros olhos”
Avalia.
A história de Aline é semelhante à de outras adolescentes que tiveram filhos em 2018 no Distrito Federal. De acordo com dados da Secretaria de Saúde, das 35.647 crianças nascidas de Janeiro a Novembro, 4.200 (11,78%) são filhas de mães de 10 a 19 anos, ou seja, a cada dia, o DF registrou o nascimento de 12 bebês de crianças e adolescentes.
No Brasil, o levantamento mais recente do Ministério da Saúde é de 2017, a taxa de mães nessa faixa etária corresponde a 16,4% dos 2.900.000 de nascidos vivos no ano passado.
Para Denise Campos, especialista em saúde de adolescentes (hebiatria), a importância da comunicação com os mais jovens é crucial. A médica afirma que os pais devem se colocar à disposição dos filhos para tratar de temas como a sexualidade.
“Na internet, há informações corretas, mas muitas erradas também. Eles (adolescentes) podem achar que o que encontram lá é natural ou comum, e não é”
Destaca.
Orientação
A hebiatra ressalta que a puberdade é um momento em que os jovens lidam com problemas de autoestima devido às mudanças corporais.
“Temos de estar próximos para tirar dúvidas e oferecer afeto e diálogo.”
Aos adolescentes, ela lembra que todos os métodos contraceptivos estão indicados e que as consultas nas Unidades Básicas de Saúde - UBS não precisam ser acompanhadas.
“Eles podem ir sozinhos. Estão respaldados pela lei. Às vezes, há um medo de não ser atendido, mas, mesmo sem estar com um responsável, eles devem ser atendidos”
Reforça Denise.
A vendedora Thaís Carvalho, 39 anos, também engravidou cedo.
Aos 19 anos, ela realizou o sonho de ter um bebê.
À época, ao se deparar com a insatisfação da família, os olhares de julgamento, as mudanças no corpo e as noites sem dormir, a vendedora percebeu que a maternidade poderia ter aguardado um pouco mais.
“Eu achava que um filho me faria ter alguém que ficasse comigo a vida inteira. Quando encontrei um cara bacana e que gostava de mim, disse a ele que queria engravidar. Se tivesse a cabeça de hoje, mesmo com toda vontade, não teria tido um filho antes de me formar e conseguir um emprego bacana”
Pondera.
Experiências
Criada em um lar onde não se falava sobre sexo, Thaís, hoje mãe de duas filhas, orienta as meninas sobre sexualidade, métodos contraceptivos e gravidez.
“Na minha adolescência, meus pais nunca falaram sobre sexo, namoro, casamento. Nunca usei nenhum método contraceptivo. Agora, acompanho a idade delas e, conforme vejo a necessidade, falo sobre tudo. Para o que elas quiserem saber, estarei lá. Trocamos experiências e temos uma relação boa e totalmente aberta, mas não excessiva.”
Psicóloga perinatal, Alessandra Arrais explica que, devido a mudanças de caráter hormonal, a adolescência está associada à descoberta dos desejos sexuais; por isso, ela alerta para a influência desse fator na vida dos jovens, especialmente quando associado à falta de instrução qualificada e autonomia.
“O problema é um corpo que tem desejos, mas não tem independência para assumir as consequências dos próprios atos. Às vezes, até existe informação, mas não do tipo que mobilize emocionalmente e faça com que os adolescentes enxerguem que uma gravidez pode acontecer com eles”
Avalia.
Alessandra destaca que o peso de uma gestação não pode recair apenas sobre a mulher e que eventos de gravidez precoce decorrem, muitas vezes, da falta de diálogo. A especialista também chama atenção para possíveis consequências, como evasão escolar, e faz críticas aos casos de negligência por parte do pai da criança e de avós que optam por abandonar os filhos.
“É preciso, sim, apoiar os pais adolescentes, além de envolvê-los o tempo inteiro. Também é necessário que haja divisão das responsabilidades. Se tenho um filho do qual os avós vão cuidar e os pais serão como irmãos para o bebê, os adolescentes não aprenderão nada”
Ressalta.
Na avaliação da psicóloga, o fato de a sexualidade permanecer como tabu entre as famílias não contribui com o desenvolvimento das crianças e jovens. Ela reforça a necessidade de os responsáveis explicarem aos filhos, com linguagem apropriada para a faixa etária, o que é consentimento, como se proteger de Infecções Sexualmente Transmissíveis - IST e gravidezes indesejadas, além das possíveis consequências das atitudes.
“As famílias não têm se mostrado mais abertas em relação a esse assunto. Alguns pais deixam de conversar com os filhos porque acham que vão ‘estimulá-los’. Há também a negação de que existe sexualidade na puberdade, mas é preciso trabalhar esse tema desde sempre, com a quantidade de informação adequada para cada idade”
Ressalta Alessandra.
A abertura ao diálogo que a estudante de publicidade Emanuelle Arcângela, 20 anos, sempre teve com os pais contribuiu com o senso de responsabilidade que a jovem desenvolveu. Ela começou a aprender sobre reprodução humana na escola, aos 10 anos, e, desde a infância, os pais dela abordavam temas como as formas de prevenir uma gestação precoce.
“Meus pais nunca trataram o assunto como algo proibido. Falavam como se estivessem tirando dúvidas minhas sobre qualquer outra coisa. Quando aprendi na escola, não foi nenhuma novidade”
Relembra Emanuelle.
Ela conta que os pais também a informavam sobre a importância de se proteger durante as relações sexuais:
“Eles falavam dos métodos contraceptivos, do uso da camisinha e de como achamos que nada vai acontecer quando somos jovens. Mas, às vezes, acontece, sim. Não falavam para eu fazer ou deixar de fazer sexo, mas me instruíam e esclareciam que os métodos existem e que devem ser usados”
Completa a jovem.
Responsabilidade na sala de aula
Não só a família, mas a escola também assume um papel importante no processo de conscientização de crianças e adolescente. Além de envolver uma questão de saúde pública, o debate sobre sexualidade e reprodução humana nas instituições de ensino permitem que as crianças aprendam, desde cedo, a como evitar gravidezes precoces e Infecções Sexualmente Transmissíveis - IST, reconhecer eventuais atos que representem abusos sexuais e buscar ajuda diante desses casos.
Apesar da importância do tema, ainda há limitações para as discussões. Érika Goulart Araújo, que trabalha na Gerência de Orientação Educacional e Serviço Especializado de Apoio à Aprendizagem - GOEAA da Secretaria de Educação, explica que, apesar de haver uma equipe preparada para isso na maior parte das escolas públicas do Distrito Federal, ainda existem colégios que não contam com a presença de orientadores educacionais para desenvolver métodos a fim de trabalhar o assunto entre professores e alunos nas salas de aula.
Érika afirma que a temática costuma ser abordada de modo mais intenso quando a necessidade aparece na realidade dos alunos: em geral, quando há um número elevado de casos de gravidez.
Nas outras ocasiões, a abordagem fica a critério dos professores.
“É uma questão que passa estreitamente pelo processo de desenvolvimento desses adolescentes. É um assunto abordado para que eles possam se conhecer, conhecer o próprio corpo e saber se proteger, porque também trabalhamos o fortalecimento de um autoconceito positivo”
Ressalta.
Como uma maneira de informar e conscientizar os alunos, o Centro de Ensino Fundamental 102 da Asa Norte-DF desenvolveu o projeto Um Novo Olhar para a Sexualidade.
Responsável pela iniciativa, a professora de ciências Adriana Quidute explica que desmistifica a palavra e mostra outras abordagens sobre o assunto.
“Quando falava disso antes, os alunos achavam que era tudo referente a sexo, mas a sexualidade é uma construção social e também uma palavra ampla, que diz respeito a vários temas, como autoestima, gravidez, personalidade, valores, vulnerabilidade. Trabalhamos para informar, não para incentivar”
Destaca.
A diretora da escola, Francerose Clara da Costa, explica que o tema está no Projeto Político Pedagógico - PPP do colégio e também no currículo da Secretaria de Educação.
“A indicação é de que se fale nos anos finais do ensino fundamental. Como atuamos com a formação integral do estudante, temos a responsabilidade de falar de todos os assuntos. O da sexualidade permeia o indivíduo em todos os aspectos e durante toda a vida. Quando falamos disso, percebemos pequenas mudanças e vemos que o projeto surte efeito”
Reforça.
Com Informações de: CorreioBrasiliense.
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