Mineiro de Uberlândia, Uelington Ramos, o Professor Pelezinho, vive há 20 anos na Europa e leva cultura dos ancestrais de volta ao continente africano
"Capoeira do Brasil
Se espalhou pro mundo inteiro
Hoje eu volto pra África,
Não dentro de um navio negreiro"
É cantarolando versos de uma música composta por ele mesmo que Uelington Ramos de Oliveira, o Professor Pelezinho, demonstra a alegria de compartilhar com crianças e adolescentes da África Central o que aprendeu com a capoeira. Aos 46 anos, ele deixou Uberlândia-MG há 20 para viver em Luxemburgo. Na Europa, conseguiu conforto e qualidade de vida, mas encontrou a realização ao levar de volta para a África a cultura dos antepassados.
Pelezinho é colaborador do projeto "Capoeira pela Paz", que educa jovens em Kinshasa, na República Democrática do Congo, e em Bangui, na República Centro-Africana. Além dos movimentos, o professor se orgulha de transmitir valores a milhares jovens com poucas oportunidades e que convivem com cenário de violência e falta de recursos.
Você se questiona como aquele continente sofre tanto até hoje. Meus alunos escrevem e falam muito bem português. Eu os ensino a andar sozinhos, a terem força de vontade e acreditarem em si mesmos. Eu sou fruto disso, estudei até a terceira série, comecei a trabalhar com 10 anos. Fiz a capoeira ser conhecida em Luxemburgo, fui a Mônaco e me senti importante por fazer algo bom para alguém, disse o instrutor, que deixa o Brasil neste domingo levando 500 calças e vários instrumentos para entregar nas cerimônias de batismo do outro lado do Atlântico.
A ida ao Principado não foi a passeio. Pelezinho conseguiu apoios para o projeto com a UNICEF e com a Associação Mundial dos Amigos da Infância (Amade-Mondiale), presidida pela Princesa Caroline de Mônaco, para atender ainda mais pessoas. Prestígio que aumenta a responsabilidade com os recursos recebidos e para combater a corrupção:
"Não coloco a mão se não sinto confiança"
Olho sempre para onde vai o dinheiro, se está tudo certinho. Ensino a trabalhar sério, sobre como funciona uma associação, a dar satisfação, prestar contas do que foi gasto, para amanhã ter condição de ter mais apoio. Gerir conflitos religiosos também, porque tem muitos entre cristãos e muçulmanos lá.
É muita coisa envolvida - contou o professor, que também aceita doações de materiais quando observa que potenciais apoiadores estão reticentes.
De Minas para a Europa
Pelezinho teve o primeiro contato com o Velho Continente em 1996, quando conheceu um amigo europeu em um congresso no
Rio de Janeiro. A partir daí, fosse enviando materiais para prática da arte - que mistura esporte, luta, dança e música - ou recebendo alunos em intercâmbio, surgiram convites para ensinar a prática na
França e na
Espanha. Hoje, é treinador da seleção nacional e coordenador da
ONG"
Abadá Capoeira Luxemburgo".
Fui convidado para ir ao primeiro batizado de capoeira na Europa, em 2000. Aí me chamaram para dar aulas em Paris, Barcelona e Luxemburgo. Senti muito o choque cultural e voltei para o Brasil. No ano seguinte, fui de novo para dar aula por um mês no verão, nos parques da cidade.
Fiz 50 alunos e ganhei muito dinheiro na época, aí acabei ficando, até por necessidade, filhos… Escolhi Luxemburgo porque é um país pequeninho, mas com uma mentalidade enorme. A capoeira lá é tratada como utilidade pública, está no ambiente hospitalar, no combate à depressão infantil, na recuperação de jovens no sistema prisional e nas escolas - contou o mineiro, que é fluente em francês e vive na capital com a família.
Na terra dos ancestrais
O encontro que começou tudo foi em 2007, em visitas a Quênia e Uganda. Uelington também passou por Cabo Verde, Angola e Congo. O sentimento era de que deveria fazer algo para retribuir o que a capoeira havia lhe proporcionado, então passou a buscar patrocinadores e mobilizar pessoas para ajudar o projeto "Capoeira Pour La Paix", que tem envolvimento da Embaixada do Brasil.
Eu sempre mandava material para a África: pandeiro, berimbau, calça, camisa, roupa que sobrava. Comecei a pedir às pessoas para mandar. Conseguimos formar muita gente lá, inclusive educadores. Inscrevi projeto na UNICEF e eles gostaram, porque envolvia áreas de risco, onde há grupos armados, é um trabalho de resgate. O embaixador do Brasil na época em Kinshasa, Paulo Uchôa, me apresentou à Princesa Caroline. Tem meninas que são casadas cedo para serem uma boca a menos para alimentar, meninos que são levados para integrarem grupos armados, relatou.
Conforme Pelezinho, mais de 20.000 pessoas já passaram pelo projeto. Ele conta às crianças africanas como foi o começo da capoeira na terra natal, com os escravos vindos da África. O mestre costuma brincar que a arte "engravidou na África e nasceu no Brasil". Hoje, procura levar o conhecimento pelo caminho inverso, em um contexto totalmente diferente dos antepassados, para de alguma forma amenizar a dura realidade vivida por aquelas pessoas.
Na África, vi criança que estava há dois dias sem comer, sem água para beber. Pensei: "Meu Deus". Eu não poderia beber água na frente de 400 pessoas com sede, então ficava sem beber também. Decidi fazer alguma coisa. Venho de baixo, se um dia eu não estiver aqui, quero que o projeto tenha continuidade.
Estou deixando meu legado, fazendo minha parte.
Hoje retribuo à
África tudo o que a capoeira me deu, tenho casa, uma vida boa e conheço muitos países. O sonho daquelas crianças é ter uma calça, uma corda, serem batizadas na capoeira. Elas pegam a corda numa alegria... aí você pensa nos valores, parece que ganharam na loteria! Aquilo te toca. A
África está no meu coração, pela minha história e pela necessidade deles
Concluiu.
Com Informações de:
GE.