Polícia Civil apura a nova modalidade criminosa, que tem crescido na capital. Na Quinta-feira (180322), motorista foi preso por fazer delivery de pó.
Motoristas do aplicativo Uber no Distrito Federal tornaram-se alvo de traficantes. Eles acionam o serviço para transportar drogas ou fazer delivery para usuários.
Os profissionais são cooptados pelos criminosos, e quantias generosas são oferecidas para que a viagem de risco seja concluída. A Polícia Civil investiga a prática.
Um condutor do App foi preso por tráfico na noite de Quinta-feira (180322).
O Metrópoles entrevistou três motoristas, que, sob a garantia do anonimato, revelaram histórias e experiências tensas envolvendo negociações de viagens com traficantes e usuários fissurados por uma carreira de cocaína ou um cigarro de maconha.
Em um dos casos, uma mala abarrotada de drogas chegou a ser colocada no bagageiro do veículo de um profissional.
Marcelo*, 35 anos, transporta passageiros por meio de aplicativo há cerca de um ano e meio e já passou por apuros atrás do volante de seu carro. A situação mais complicada ocorreu há três meses, na Rodoferroviária de Brasília-DF.
Era por volta de 20:00 horas quando o sinal de alerta para passageiros tocou no celular. Ao chegar no local, um homem de meia-idade e bem vestido esperava pelo veículo.
O passageiro pediu para acomodar a mala no bagageiro.
“Em seguida, ele foi bem sincero e disse que precisava levar uma mala com drogas até um determinado ponto em Valparaíso, no Entorno do DF, e pediu para eu ficar tranquilo”
Contou o motorista.
O passageiro solicitou que o motorista desligasse o aplicativo, pois pagaria a corrida em dinheiro quando chegasse ao destino.
“Eu agradeci e disse que não faria essa viagem por dinheiro nenhum no mundo. Sou nascido e criado em Ceilândia-DF e conheço a violência e o tráfico de drogas bem de perto. Quem não acaba preso é porque foi morto. Cancelei a corrida e fui embora sem olhar para trás”
Lembrou o profissional.
Marcelo contou ser comum, principalmente durante a madrugada, atender passageiros sob efeito de drogas ou exalando cheiro de maconha.
“São riscos que corremos por trabalharmos à noite”
Disse.
Outro motorista ouvido pela reportagem contou história semelhante.
Juliano*, 30 anos, foi chamado em Ceilândia-DF.
A passageira disse que não seguiria viagem e pediu para duas malas serem entregues em um determinado destino.
Desconfiado, o motorista desistiu da corrida.
“Tenho certeza, eram drogas ou algum produto relacionado à prática criminosa.”
Água, balinha e boca de fumo
Jonas*, 50 anos, é oficial aposentado do Exército e trabalha como motorista do Uber para complementar a renda familiar. Morador de São Sebastião-DF e acostumado a dirigir cerca de 10 horas por dia e noite adentro, o profissional recebeu a equipe do Metrópoles para contar algumas de suas histórias.
Em uma delas, foi parar na entrada de uma boca de fumo, em Sobradinho-DF. Há cerca de quatro meses, o motorista foi chamado pelo aplicativo para buscar passageiro no Posto Grande Colorado, às margens da rodovia BR-020, próximo a Sobradinho.
Dois rapazes entraram no carro, cada um com uma lata de cerveja nas mãos.
“Eles eram educados e perguntaram se poderiam beber. Disse que sim, contanto que não sujassem os bancos”
Contou.
O endereço de destino era próximo a uma distribuidora de bebidas. Segundo Jonas, várias pessoas circulavam pelo local, algumas aparentando ser moradoras de rua. Havia um beco escuro, onde o movimento era grande.
“Eles desceram, compraram drogas e voltaram para o carro. Fiquei com receio de ser assaltado, mas graças a Deus tudo correu bem. Finalizei a viagem após deixar os dois de volta no posto”
Lembrou.
Motorista preso
Enquanto alguns profissionais são acionados por bandidos, outros motoristas ingressam no mundo do crime. É o caso de Igor Ribeiro Silva, 26 anos.
De acordo com investigação da Polícia Civil, ele aproveitou o tempo na Uber para montar uma carteira de clientes e turbinar o negócio paralelo ao de transporte de passageiros: o delivery de drogas.
A clientela de Igor era de alto poder aquisitivo e a droga revendida por ele é considerada uma das mais caras do mundo.
Trata-se da cocaína “escama de peixe”, com alto teor de pureza. “Cada porção de 5 gramas vendida por ele chegava a custar R$200,00”, explicou o diretor da Coordenação de Repressão às Drogas - CORD, delegado Luiz Henrique Sampaio.
O motorista alugava um quarto de hotel em Taguatinga-DF, onde usava um cofre de parede para estocar a droga, dinheiro e uma arma. O motorista foi preso na garagem do hotel quando estava na companhia da mulher e se preparava para fazer mais uma entrega de droga.
A polícia aprendeu três quilos de cocaína, R$31.000,00 em espécie e uma arma.
O que diz a Uber
Procurada pela reportagem, a Uber lamentou o fato de profissionais estarem sendo cooptados por traficantes.
“Em caso de qualquer tipo de violência ou ameaça, orientamos motoristas e passageiros a contatarem imediatamente as autoridades policiais. É importante também fazer um boletim de ocorrência, assim os órgãos competentes terão ciência do ocorrido e poderão tomar as medidas cabíveis"
Informou a empresa, por meio de nota.
A assessoria de imprensa do aplicativo disse que, em caso de investigações e processos judiciais, a Uber colabora com as autoridades nos termos da lei.
“Nenhuma viagem com a plataforma é anônima, todas são registradas por GPS. Em caso de necessidade, nossa equipe especializada dá suporte, pois sabe quem foi o motorista parceiro e o passageiro, o histórico de ambos e qual o trajeto realizado”
Ressaltou.
A Uber não tolera nenhum tipo de comportamento criminoso, seja por parte de usuários ou motoristas parceiros. Quando uma denúncia nesse sentido é feita e verificada, a empresa bane os envolvidos.
"Para isso, o aplicativo possui o canal de ajuda e o site encoraja motoristas parceiros e usuários a avaliarem um ao outro depois de cada viagem, de forma anônima"
Trecho de nota enviada pela Uber
Segundo a Uber, há uma equipe que monitora essas informações e pode banir da plataforma passageiros ou motoristas com média baixa de avaliações ou conduta que viole os termos de uso, como, por exemplo, comportamento inapropriado ou perigoso.
*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados