Local foi reformado cinco meses após o crime que matou 10 crianças e três professoras; "Infelizmente, o preço para termos uma escola assim foi um preço muito caro", diz mãe de aluna que estava na tragédia.
Pais e alunos voltaram neste Sábado (180317) pela primeira vez à creche Gente Inocente em Janaúba-MG, no Norte de Minas, que foi alvo de um incêndio criminoso no dia cinco de outubro de 2017.
O prédio foi reconstruído em cinco meses por um grupo de voluntários e a previsão é que as aulas recomecem no segundo semestre.
O incêndio foi provocado pelo vigia Damião Soares dos Santos, 50 anos; ele ateou fogo em algumas crianças e em seu próprio corpo.
O vigia, 10 crianças e três professoras morreram no ataque. Maria Eduarda Oliveira Souza, de quatro anos, é uma das sobreviventes do crime. Ela precisou ser internada por complicações respiratórias e, atualmente, estuda no local improvisado pela prefeitura para receber os alunos da tragédia.
A mãe da menina participou da cerimônia de lançamento da nova estrutura da escola.
"O que ocorreu poderia ter ocorrido em qualquer escola e lugar. E eu não posso privar minha filha viver e de continuar a vida; esta escola sempre fez bem para o desenvolvimento dela.
Agora, eu preciso ajudá-la a voltar a ver como as coisas como eram antes do incêndio. A gente questionou o fato da escola continuar no mesmo local, mas este novo prédio é doação de pessoas. Não é momento de polêmica e, sim, de pensarmos no bem dela. Eu moro aqui perto, só tenho uma bicicleta e a escola ficou muito bem feita. Infelizmente, o preço para termos uma escola assim foi um preço muito caro. A pergunta que fazemos aos políticos é: por que precisou de derramar tanto sangue para termos uma escola de qualidade?"
Disse Mirian Sandraia Souza Oliveira.
Nova creche
A nova creche tem 238 m² construídos e aproximadamente 30% da antiga escola foi demolida. O restante foi reconstruído com prioridade no cumprimento das normas a adequação para atender 45 crianças; no dia do incêndio criminoso, 75 crianças estavam no local.
O grupo voluntário responsável pela obra foi formado por seis profissionais, entre empresários, engenheiros e arquitetos. O valor da nova creche não foi divulgado e cerca de 40 pessoas trabalharam na obra.
A rua onde a creche fica recebeu asfaltamento.
"Houve mais demolição do que construção. Transformamos a planta de modo a desconfigurar completamente o prédio antigo; mudamos a entrada, abrimos o pátio, levantamos o telhado e aumentamos os banheiros.
A sala mais atingida pelo fogo virou um pátio com chuveirões. O que queremos é que as crianças, famílias e profissionais voltem e se sintam bem no novo espaço.
Esta é a sensação de hoje: um dia após o outro vai sempre curar as ferias e é possível mudar a realidade por meio da arquitetura"
Disse uma das arquitetas voluntárias, Isabella Rebello.
As cores usadas na nova construção foram vermelha, azul, amarela, verde e branca.
Uma missa foi celebrada para a reinauguração do novo prédio; o evento começou por volta das 9:30 horas e terminou às 11:30 horas.
Houve apresentação da banda da Polícia Militar e de outros grupos religiosos. O arcebispo metropolitano da arquidiocese, Dom José Alberto Moura, e o Bispo de Janaúba, Dom Ricardo Brusatti participaram do evento.
Uma estrutura com brinquedos foi montada para as crianças que visitaram a nova creche.
CEMEI Helley de Abreu
A proposta é que a creche ganhe o nome da professora Helley de Abreu, que lutou com o autor do crime para tentar salvar seus alunos; ela teve 90% do corpo queimado e morreu no hospital.
A sugestão ainda precisa ser formalizada pela Câmara de Vereadores, mediante projeto de lei. Uma árvore com frutos em coração é o novo símbolo do prédio.
A homenagem foi de uma equipe de publicidade.
"O tronco forte e enraizado é a professora Helley e os galhos representam o amor pelas crianças. A equipe de criação queria leveza, sem perder esta explosão de sentimentos. Todo o processo durou dois dias"
Explicou o designer Caico Siuf.
O marido da professora Helley de Abreu estava na cerimônia de inauguração, sem os três filhos do casal, de 15, 13 e 1,7 anos.
A secretária municipal de Educação, Luzia Angélica Santos, explicou que o cronograma de adaptação passa por projetos lúdicos e pedagógicos. Cinco crianças, que ainda se recuperam, estão recebendo aulas em casa.
A diretora da antiga escola e outras cinco profissionais não trabalham mais na unidade.
"Estamos reunidos com os pais e MP para tornarmos o ambiente mais confortável para crianças, funcionários e famílias. Podemos antecipar o início das aulas no novo prédio, mas todo trabalho requer esperar pelo tempo das crianças. As mães que optaram por retirar os filhos desta unidade, nós respeitamos, conseguimos as vagas e adequamos com transporte escolar"
Disse.
Joana D'Arc Oliveira dos Santos é mãe da aluna Maísa Barbosa dos Santos, de seis anos. Depois da tragédia, a criança ainda não voltou a estudar.
"Por enquanto ela não está indo à aula. Ainda vou esperar mais um tempo para colocá-la na escola porque tudo isso mexeu muito com a nossa cabeça. Hoje é a primeira vez que voltamos aqui e a dor é grande. Porque, podem mudar a cor, mas o que aconteceu não muda mais"
Desabafou.
Emocionada, Andrea Rodrigues Monção disse que possivelmente vai optar por colocar o filho, Caio Pierri dos Santos, de três anos, em outra escola.
"É muito triste. Na hora que passamos na rua de cima da creche, durante a semana, ele fez xixi na cama. Hoje, ele chorou demais para entrar na creche. Ele chora muito e eu sei que é para chamar atenção, mas a cabecinha dele ainda está naquele dia da tragédia"
Disse emocionada.
Centro de Atenção à Queimados
Após a tragédia, o Ministério Púbico atuou em três eixos para ajudar as famílias. O Promotor de Justiça e Curador de Saúde Pública de Janaúba, Jorge Victor Cunha Barreto da Silva, explica a necessidade em credenciar o Centro de Internação nos serviços do SUS.
"Várias frentes se formaram após a tragédia, mas ainda tentamos com o poder público instalar um Centro de Atenção aos Queimados, dentro da Fundajan [hospital que recebeu os feridos], porque algumas vítimas ainda vão precisar de tratamento a longo prazo [mais de dois anos] e de cirurgias plásticas reparadoras. Por isso, queremos estruturar este serviço, credenciado ao SUS, para atender às vítimas desta tragédia. Estas pessoas são de baixa renda e não têm condições de arcar com os custos".