Autor entrevistou 12 pessoas que perderam a visão e passaram por reabilitação para ter uma vida normal.
O primeiro sentimento ao ter os olhos vendados é vulnerabilidade. De repente, tudo que você tem é a escuridão e nenhum controle sobre pra onde ir, o que fazer. Você depende totalmente de uma pessoa para te guiar. A experiência pode ser vivida em uma tenda ao lado do Espaço Cultural da Urca, onde o escritor André Barretto divulga seu livro “Cegueira sem Ensaio” na 12ª edição do Festival Literário de Poços de Caldas-MG - Flipoços-MG.
Aos 37 anos, André Barretto é de Campinas-SP e antes de explorar o mundo da literatura, trabalhou como administrador e empreendedor. Para investir no sonho de ser escritor, fez faculdade de jornalismo e escolheu a técnica literária para fazer a sua primeira obra.
“Eu escolhi o tema da cegueira porque é o sentido que é mais responsável pela nossa capacidade de perceber o mundo, onde a gente absorve mais. O jornalismo que eu faço, que é o jornalismo literário, uma das características que a gente busca é passar para o papel os sentidos do corpo, pra que o leitor vá construindo cenas na cabeça como se fosse um filme. Então eu tive a ideia: por que não passar a perda de um desses sentidos?”
O livro-reportagem “Cegueira sem Ensaio” conta a história de 12 pessoas, seis homens e seis mulheres, que perderam a visão em idades e de causas diferentes, e assim, tiveram que passar pelo processo de reabilitação para ter uma vida normal. Para encontrar os entrevistados, Barretto procurou três centros de reabilitação em Campinas, que indicaram as pessoas.
“E aí a gente consegue ver o que é comum entre eles e o que depende de cada indivíduo. Por exemplo, o primeiro momento de recusa, de aceitação. Tem gente no livro que ficou dois meses mais depressivo e depois já foi procurar ajuda, e tem o caso da Adriana, por exemplo, que ficou oito anos sem sair de casa”
Conta.
As histórias dos livros foram estruturadas desde o entrevistado menos reabilitado até o que já tem família, trabalho, filhos e uma vida normal. Entre os personagens, uma mulher casada que teve os filhos depois de perder a visão, e atualmente trabalha para o governo federal, e um auditor, único deficiente visual em uma empresa com 5 mil funcionários.
“A gente vive em um mundo
em que é só valorizada a conquista,
mas todos temos perdas
durante a vida e precisamos
saber lidar com isso.
E cada vez sabemos lidar menos”
Completa o autor.
Superando limites
A ideia de levar a tenda para o Flipoços foi justamente permitir que as pessoas pudessem experimentar por alguns minutos o que é viver sem um dos nossos sentidos mais essenciais. Ao ter os olhos vendados, a pessoa é convidada a identificar objetos e cheiros usando o tato e o olfato. A experiência causa diversas sensações nos participantes, desde a surpresa por não identificar cheiros que nos são comuns como emoção em perceber com muito mais profundidade algumas experiências cotidianas.
“A primeira coisa que a gente pensa na perda da visão é que é essa impotência, essa restrição. O que eu aprendi com eles é exatamente o contrário. Não há fragilidade. Existe, claro, uma característica física nova que limita em certo sentido, mas todos nós temos limitações.
Características físicas diferentes, ser mais alto, baixo, mais magro, gordo, essas características bem simples do dia a dia já nos permitem fazer coisas ou não. E na cegueira, o que eu aprendi é que eles têm novas habilidades, inclusive, que nós que enxergamos não temos.”
Barretto cita como exemplo um dos entrevistados, chamado Robson, que o contou que ele não é mais enganado pela imagem das pessoas. Ele percebe melhor cada um pela entonação da voz, pelo jeito que a pessoa o cumprimenta, pelo jeito da conversa. Robson acredita que faz uma leitura muito mais verdadeira dos outros pela sensibilidade que ele teve que desenvolver com a perda da visão.
“E outras grandes habilidades”
Lista o autor.
“Correr sem a bengala, usar o eco dos passos pra se mover como se fosse um sonar de morcego, usar vento da cidade pra saber se você está numa esquina, num cruzamento de quarteirão, cheiros do comércio, pra saber se você está numa padaria. E como eles são pessoas que perderam a visão, eles têm repertório pra imaginar os cenários. Então o tempo todo eles estão enxergando com os outros sentidos e com o poder de imaginação e criatividade da própria mente.”
Entre as muitas histórias, pergunto se teve alguma que mexeu mais com ele. Barretto cita a Mirlene, que ainda passa pelo processo de reabilitação, mas acredita que perder a visão a tornou uma pessoa melhor.
“Ela acha que antes, quando ela enxergava, ela era uma pessoa tímida, acanhada, fechada, que não se comunicava com o mundo. E depois da cegueira, ela percebeu que precisava mudar. Hoje ela é uma pessoa extrovertida, participa de stand ups, faz teatro. Então eu fiquei muito tocado com essa capacidade não só de reconstrução, mas de se tornar uma pessoa melhor e reconhecer isso.”
“Cegueira sem Ensaio”
A tenda para experimentar a “Cegueira sem Ensaio” fica do lado externo do Espaço Cultural da Urca durante todos os dias do Flipoços, que segue até 7 de maio.
Além de passar pela experiência, a pessoa pode adquirir o livro, que está sendo pré-lançado no festival, e conhecer o autor.
Os horários de funcionamento da tenda podem ser consultados com a organização do Flipoços.
Com Informações de: G1.
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